Argueiro no olho de teu irmão ou trave no teu ?

 


A essência da terapia Junguiana


E pôr que notas o argueiro que esta no olho do teu irmão, mas não consideras a trave que esta no teu próprio olho ? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro de teu olho, quando tens uma trave em teu próprio olho? Tu, hipócritas, primeiro arranca a trave de teu próprio olho e então veras com clareza para tirar o argueiro do olho de teu irmão.


Esta importante passagem tem sofrido pelo excesso de exposição, embora com toda a certeza não pôr excesso de observância. Talvez isto nos alerte para a urgência da necessidade de ouvir e de compreender a mensagem nela contida, e para a dificuldade que temos em segui-la.
A metáfora de Jesus expressa o mecanismo psicológico da projeção ou "percepção inconsciente". Onde a projeção pode levar à autocompreensão.
Geralmente, a projeção leva a ver numa outra pessoa ou uma característica ou atitude que na verdade nos pertence, embora não estejamos conscientes disso. Pôr exemplo: a convicção de que nosso parceiro é ambivalente a respeito da relação pode ser tão forte que obscurece pôr completo a nossa própria ambivalência. Ainda mais: suspeitar de infidelidade do outro é muitas vezes indicio de nossos próprios desejos não reconhecidos.
Jung enfatiza que a projeção constitui um processo natural. Afirma que tudo que é inconsciente é projetado. Raramente descobrimos algo de novo a respeito de nos mesmos pela observação direta de nossa paisagem interior. Em geral, somente depois de observar uma característica particular em outra pessoa é que podemos começar a reinvindica-la como nossa. Pôr exemplo: começamos gradualmente a nos dar conta de que temos um grande medo de ficar sozinho. Normalmente, teremos percebidos isso antes nos outros - uma colega, pôr exemplo, que não vimos há anos, aparece-nos num sonho. Então nos perguntamos qual a primeira coisa que nos vem a mente com relação a essa amiga e nos lembramos do medo que ela sentia de ficar sozinha. Descobrimos que esse pensamento " da um estalo" ou faz sentido; isto é, ajusta-se a outras nossas associações como sonho e com nossa situação atual. " Sim", podemos reconhecer, " estou me sentindo solitário neste momento".
Pelo fato de permanecer inconsciente uma parte tão grande de nos, não podemos jamais deixar de projetar. O prejudicial não é o processo de projeção em si, mas a incapacidade de reconhecer as projeções quando se chama a nossa atenção para elas. Reconhecer e retirar as projeções é obra divina pois, assim fazendo, estamos construindo a nossa consciência e descobrindo quem somos. Alem de estarmos dispensando as outras pessoas de carregar a pesada carga emocional de nossas percepções errôneas, de nossos erros de julgamento, de identificação, e de nossas distorções.
Reconhecer as projeções, desenreda-las e selecionar o que pertence a nos é um trabalho tremendamente importante e difícil. Requer uma espécie de integridade moral, que em algumas pessoas foi gravemente prejudicada ( pôr exemplo) pôr acontecimentos infelizes na infância, demandando muita força e predisposição para participar desta tarefa.
A oportunidade de desempenhar projeções é assegurada de maneira extremamente proveitosa em dois contextos: na psicoterapia e na amizade ou no casamento. Isso porque as relações sem limite de duração geralmente contribuem mais para a individuação do que as mais breves. Os sentimentos amorosos iniciais ( projeções positivas) precisam ir se desvanecendo para que surjam os negativos. Frequentemente, nos nos apaixonamos pelo nosso próprio potencial, que enxergamos como força, inteligência, graça, beleza, vulnerabilidade ou integridade da outra pessoa. De certo modo, é preferível fazer com que essas características nos acompanhem sob a forma de uma ajuda do que vê-las em nos mesmos - o que simplesmente pode ser muito solitário.
Quando tiver dificuldade com alguém ou com alguma coisa, examine-se para descobrir qual a sua parte no conflito. Talvez o que você venha a descobrir lhe pareça um argueiro, mas para seu irmão é possível que pareça uma trave que esteja obscurecendo a sua visão.
Desta forma Jung insistia para que a seguinte parábola fosse contada sempre que os Junguianos se reunissem, provavelmente pôr captar a essência da analise Junguiana. Jung ouviu-a de seu amigo Richard Wilhelm, o eminente estudioso do chinês e tradutor do I Ching.

Houve uma grande seca no local onde Wilhelm vivia; durante meses não caiu uma gota de chuva e a situação tornou-se catastrófica. Os católicos fizeram procissões, os protestantes fizeram orações e os chineses queimaram palitos de incenso, deram tiros para assustar e afastar os demônios da seca, tudo sem resultado. Finalmente, os chineses disseram,"Vamos buscar o fazedor- de- chuva".E, vindo de outra província, apareceu um velho ressequido. A única coisa que solicitou foi uma casinha tranqüila num lugar qualquer, e ali se fechou durante três dias. No quarto dia, as nuvens se juntaram e houve uma grande tempestade de neve, naquela época do ano em que não se esperava nenhuma neve, numa quantidade inusitada, e a cidade estava tão cheia de boatos referentes ao maravilhoso fazedor- de - chuva que Wilhelm foi perguntar-lhe o que havia feito. Procedendo como autentico europeu, ele disse, " Eles o chamam de fazedor-de-chuva; pode me dizer como é que fez a neve?" E o pequeno chinês disse, "Eu não fiz a neve, eu não sou responsável". Mas o que fez durante esses três dias? "Oh! Eu posso explicar. Eu vim de outro pais onde as coisas estão em ordem. Aqui, elas estão em desordem, não estão como deveriam estar, segundo a determinação dos céus. De modo que o pais todo esta no Tao, e eu não estou na ordem natural das coisas, pois estou num pais desordenado. De modo que eu tive de esperar três dias ate voltar ao Tao e então, naturalmente, a chuva veio".
Ocorre a cura não tanto em virtude daquilo que o terapeuta diz ou faz, mas devido àquilo que ele ou ela é. Parafraseando Ralf Waldo Emerson: " O que voce é fala tão alto que não consigo ouvir o que você diz".
Se o terapeuta perde de vista a trave que esta em seu olho, perde-se uma parcela da integridade. Então, em lugar de ajudar, o terapeuta pode até mesmo prejudicar o paciente.


Leda Mara de Almeida Tosi -